Governo Bolsonaro ignora Controladoria e dificulta acesso a dados sobre visitas ao Planalto

ITALO NOGUEIRA, RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) –

O governo Jair Bolsonaro ignora há seis meses orientação da CGU (Controladoria-Geral da União) e decidiu dificultar o acesso a informações sobre visitantes dos gabinetes do Palácio do Planalto, prédio onde funciona a Presidência da República.

Desde janeiro deste ano, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) se negou a fornecer ao menos 34 vezes informações sobre as entradas no palácio solicitadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI).

Desde abril, todos os oito recursos com base na Lei de Acesso que chegaram à CGU tiveram como decisão a determinação para entrega das planilhas solicitadas.

Embora atenda às determinações da Controladoria, como exige a lei, a nova política de recusa do GSI triplicou o tempo médio de espera do cidadão para obter a informação desejada.

Enquanto antes a resposta tinha de chegar em, no máximo, um mês, tem levado agora três. A maioria dos solicitantes (19) desistiu no caminho até chegar à CGU.

O GSI sempre forneceu dados sobre acesso ao Palácio do Planalto. A mudança ocorreu em janeiro deste ano, quando o órgão passou a usar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como argumento para não fornecer as informações.

Nas respostas, o GSI cita os artigos 6º e 7º da lei. Eles determinam que o tratamento de dados pessoais deverá “observar a boa-fé” e eles só podem ser utilizados com autorização do titular, por obrigação legal ou para proteção da vida.

“Observa-se, assim, que o tratamento de dados pessoais coletados, no caso, o nome e a data de entrada de visitantes que se cadastram para encontrar o presidente cumpre a finalidade específica de segurança da mais alta autoridade do Poder Executivo do país”, afirma a resposta-padrão oferecida pelo GSI.

O entendimento tem sido mantido ao longo das duas instâncias de recurso no órgão, previstas na LAI. A legislação permite ainda um terceiro recurso à CGU.

À Controladoria o órgão de segurança do Planalto afirma que “o fornecimento de relação ampla e genérica de dados de entrada e saída tem potencial de expor hábitos de possíveis visitantes frequentes, os quais ficariam vulneráveis a pressões para revelar peculiaridades das instalações e rotinas de segurança”.

Para o GSI, entregar as informações contribuiria “para fragilizar as medidas utilizadas para impedir, prevenir e obstruir ações mal-intencionadas contra servidores e autoridades que despacham no Palácio do Planalto e seus anexos”.

A CGU, porém, tem entendido que “o acesso a essas informações se consubstancia em importante ferramenta de controle social no que se referia à transparência esperada nas relações mantidas entre agentes públicos, no exercício de suas atribuições, com demais membros da sociedade”.

A Lei Geral de Proteção de Dados está em vigor desde agosto de 2020, mas só foi usada para ocultar os visitantes do Planalto a partir de 11 de janeiro de 2021.

Nesta data, o GSI se negou a fornecer dados sobre visitas ao Planalto dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), bem como de Luiz Botto Maia –ex-assessor de Flávio– e das advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, que defendem o senador.

O caso só foi analisado em março pela CGU, que entendeu que o interesse público sobre os visitantes do palácio presidencial se sobrepõe à nova lei de dados. Desde então, foram outras sete decisões do tipo.

Apesar de ter este entendimento consolidado desde abril, quando repetiu a ordem de entrega de dados ao GSI, a Controladoria vem adiando suas decisões sobre o tema.

A Lei de Acesso à Informação determina que a CGU se manifeste num prazo de cinco dias, mas permite que o órgão consulte a autoridade que negou acesso aos dados. Após esse prazo, a Controladoria tem mais um prazo de 30 dias, prorrogáveis por igual período uma única vez, para se pronunciar.

Em nenhum dos oito recursos que chegaram ao órgão de controle houve determinação imediata para entrega das informações. Ele tem demorado em média 35 dias para fazer valer o entendimento definido em março.

O levantamento feito pela reportagem mostra que em 19 solicitações de informação não houve recursos suficientes até chegar à CGU. Sete casos aguardam a definição do órgão de controle após as recusas do GSI.

Julia Rocha, coordenadora de Acesso e Transparência da ONG Artigo 19, afirma que é comum órgãos públicos apostarem nos “desafios burocráticos” para dificultar a entrega de informações públicas.

“Por mais que seja um dos melhores sistemas eletrônicos que temos no país, o Fala.br [plataforma dos pedidos pela LAI] exige justificativa para cada recurso. Como as razões apresentadas para negar a informação se repetem ao longo das duas primeiras instâncias, o cidadão acaba desistindo”, disse ela.

A pesquisadora afirma que a CGU deveria expedir recomendação ao GSI para impedir o uso da lei de proteção de dados como justificativa para não fornecer informações públicas. Ela também defende a aplicação de sanções previstas na Lei de Acesso, bem como o envio de denúncias ao Judiciário.

Procurado, o GSI afirmou que as questões têm relação direta com pedido feito pela reportagem, razão pela qual não caberia resposta da assessoria de comunicação do órgão.

A CGU afirmou, em nota, que “atua em casos concretos que, por vezes, necessitam de esclarecimentos adicionais para confirmação da inexistência de outras hipóteses de sigilo, a exemplo da proteção ao denunciante que se dirige à ouvidoria do órgão”.

“Neste sentido, a CGU realizou interlocuções com o GSI por se tratarem de indivíduos ou períodos distintos em cada pedido, a fim de evitar a exposição indevida de informações eventualmente protegidas por sigilo específico, em estrito cumprimento à Lei de Acesso à Informação”, diz a Controladoria, em nota.

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