Brasil parece estar do outro lado, dizem EUA sobre solidariedade de Bolsonaro à Rússia

RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)

O governo dos Estados Unidos subiu o tom nas críticas feitas a Jair Bolsonaro (PL) pelo fato de o presidente ter prestado “solidariedade” à Rússia em conversa com Vladimir Putin. As mensagens de insatisfação partiram nos últimos dias do Departamento de Estado e da Casa Branca.

O brasileiro esteve com Putin em Moscou na quarta (16), em meio à crise envolvendo a Ucrânia, que opõe os russos ao Ocidente. Antes de um almoço e de uma reunião fechada, nas palavras de abertura do encontro Bolsonaro se disse “solidário à Rússia” -sem especificar a que aspecto se manifestava.

Na tarde desta sexta (18), a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, fez críticas à fala. “Eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em sua visão de que outro país tomando parte de sua terra, aterrorizando seu povo, é certamente algo não alinhado aos valores globais. E então, penso que o Brasil pode estar do outro lado em que a maioria da comunidade global está.”

Psaki, que ressaltou que não tinha falado com Joe Biden sobre o assunto, havia sido perguntada se o presidente americano se sentia traído pelos gestos de Bolsonaro e se as falas poderiam afetar as relações entre Brasil e EUA.

As falas da porta-voz se somam a críticas feitas na quinta (17) pelo Departamento de Estado. “O momento em que o presidente do Brasil expressou solidariedade com a Rússia, justo quando as forças russas estão se preparando para lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ser pior”, disse um porta-voz da pasta, em nota enviada a jornalistas.

“Isso mina a diplomacia internacional direcionada a evitar um desastre estratégico e humanitário, bem como os próprios apelos do Brasil por uma solução pacífica para a crise.”

O órgão também disse que há uma “falsa narrativa” de que o governo Biden teria pedido ao Brasil para escolher entre EUA e Rússia. “Esse não é o caso. Essa é uma questão de o Brasil, como país importante, parecendo ignorar a agressão armada por uma grande potência contra um país vizinho menor, uma postura inconsistente com a ênfase histórica do Brasil na paz e na diplomacia”, afirmou a mensagem.

Na quarta (16), Ned Price, porta-voz da diplomacia americana, se limitara a dizer, em entrevista coletiva, que o governo dos EUA esperava que Bolsonaro tivesse reforçado com Putin a importância de respeitar as regras internacionais, que incluem não usar meios militares para pressionar outros países.

“Como países democráticos, nós [EUA] e o Brasil temos a responsabilidade de nos posicionarmos pelos valores que compartilhamos. E o centro desses valores são os princípios da ordem internacional, baseada em regras. Essa ordem que, por mais de sete décadas, fomentou níveis sem precedentes de prosperidade, segurança e estabilidade na Europa, no [oceano] Pacífico e em nosso hemisfério”, disse Price, após pergunta feita pela reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

“Assim, nossa esperança é que o presidente Bolsonaro tenha aproveitado a oportunidade de reforçar, no encontro com o presidente Putin, as mensagens que estão consagradas sobre os valores que compartilhamos, que são parte do sistema internacional baseado em regras.”
Na própria quarta, Bolsonaro também tentara minimizar a questão do momento de sua visita e repetiu que apenas apoia “governos que querem a paz”, dizendo novamente que “todos os países têm problemas”.

“Alguns países achavam que não deveríamos vir. Mantivemos nossa agenda, por coincidência ou não, parte das tropas deixou a fronteira”, afirmou a jornalistas, horas depois do encontro bilateral. “A leitura que eu tenho do presidente Putin é que ele é uma pessoa também que busca a paz.”
Questionado sobre se teria enviado alguma mensagem à Ucrânia, Bolsonaro deixou o púlpito improvisado e tentou interromper a entrevista, voltando momentos depois.

Em Brasília, diplomatas brasileiros admitem que o termo “solidariedade” usado por Bolsonaro foi ruim, mas veem exagero na resposta americana. Reservadamente, eles dizem que o presidente escolheu mal as palavras, em uma fala de improviso que não deveria ser levada ao pé da letra.
Um interlocutor no Itamaraty afirmou que a expressão não corresponde aos fatos. É sabido, na comunidade internacional, que o país se alinha ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e tem postura de não tomar lados em conflitos como esse.

Foram citadas conversas recentes do chanceler brasileiro com o americano Anthony Bliken e com o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba. Portanto, a avaliação é de que as declarações dos EUA foram exageradas -uma fonte do Itamaraty usou os termos “inadequadas” e “impertinentes”.

Ucrânia e Rússia vivem uma crise há semanas, desencadeada depois de o Kremlin mobilizar de 100 mil a 175 mil soldados em zonas próximas às fronteiras com a Ucrânia. Os EUA e aliados da Otan, a aliança militar ocidental, acusam Putin de preparar uma invasão do país vizinho, como fez em 2014, quando anexou a Crimeia.

Moscou, por sua vez, rejeita a expansão da Otan sobre territórios próximos à Rússia e quer a garantia de que a Ucrânia jamais fará parte do grupo. Putin nega qualquer intenção de promover uma invasão.

Antes da viagem de Bolsonaro, houve pressão dos EUA para que a ida do líder brasileiro a Moscou fosse adiada. Diplomatas americanos expressaram preocupação com o timing da visita, pois a recepção de Bolsonaro por Putin passaria a mensagem de que o Brasil apoia as ações do Kremlin no Leste Europeu, dando legitimidade a algo que os EUA consideram uma violação do direito internacional.

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